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sábado, 29 de setembro de 2012

Para crescer, tem que frustar!

Cesar Ibrahim é Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, com formação psicanalítica. Iniciou a atividade clínica em 1984, com o atendimento de adultos e adolescentes, ampliando o trabalho para a psicoterapia de família. Seu foco é compreender as dificuldades enfrentadas pelos educadores na maneira de conduzir a formação de pessoas, que devem ser capazes de se constituir psiquicamente de forma autônoma. Além disso, trabalha com adolescentes para mostrá-los que a vida também é feita de frustrações.
Nesta entrevista ao Projeto Criança e Consumo, César explica que a fantasia da felicidade constante, muitas vezes incentivada pelos próprios pais, pode ser extremamente nociva à saúde emocional.
Sua rotina de trabalho inclui atendimento clínico e também atendimento a grupos de crianças e adolescentes. Que tipo de questão é abordada nesses grupos? Como funciona a dinâmica?
Eu trabalho com crianças, adolescentes e jovens em atividade clínica, e a prevalência é de atendimento em grupos entre seis e sete pessoas. Abordamos, principalmente, a questão universal dos adolescentes, que é a dificuldade de crescer e de avançar no desenvolvimento emocional, além de assumir as exigências que o mundo vai, pouco a pouco, impondo. Procuro mostrar os caminhos que façam com que os jovens percebam e entendam que certas etapas de acontecimentos da vida, como o fracasso e a decepção, são importantes para o amadurecimento de todos. A resistência é grande, pois minha ideia é mostrar exatamente o inverso do que eles vivenciam e são convencidos a acreditar, que é o conceito de felicidade e alegria apenas, sem frustrações nem tristeza.
Os grupos são formados dentro de escolas ou são independentes?
Exerço um trabalho clínico dentro do consultório e participo também de atividades em universidades, com educadores, terapeutas e profissionais que lidam com crianças e adolescentes. Eventualmente trabalho com escolas, com profissionais de educação, no sentido de contribuir para o desenvolvimento emocional do aluno. Abordamos qual é o papel da escola no psiquismo de crianças e adolescentes e na formação de seres humanos menos suscetíveis a impressões e influências impostas pela cultura do Século 21. Uma cultura que exacerba a fantasia de uma vida excepcionalmente feliz, alegre, agitada e indolor. É isso que nós encontramos no mundo adulto, na farmácia, por exemplo, onde há cura de tudo: da insônia, da tristeza, da depressão, da ansiedade; além de todas aquelas vitaminas que se dá para a criança, como se fossem uma solução para todos os males existentes.
Temos, hoje, muitos problemas na formação de crianças decorrentes do consumismo, incentivado em nossa sociedade de diversas formas. O consumo é um assunto relevante nesses grupos que você atende?
A questão do consumo aparece , mas não de maneira tão direta. No entanto, o consumismo está presente o tempo todo na relação do adolescente com o mundo, e de diversas formas. Hoje, existe uma marca muito da cultura que é a relação entre o prazer e a responsabilidade, o dever. Nesta linha, é importante ressaltar algumas mudanças que ocorreram nos últimos anos. Os tempos atuais, ditos como mais hedonistas, marcaram por completo a relação da família com os filhos. Privilegia-se quase que o tempo inteiro a relação das crianças e dos adolescentes com o prazer. Sendo assim, a preocupação fundamental dos pais de classe média, principalmente nos centros urbanos do mundo ocidental, é a felicidade dos filhos, ou melhor, a ideia do que é felicidade. É como se houvesse uma espécie de ignição de fazer os filhos cada vez mais felizes, produzindo essa fantasia constantemente.
Que impacto essa preocupação excessiva dos pais com o fornecimento do prazer aos filhos pode ter no desenvolvimento infantil?
De maneira geral, essa marca da cultura está diretamente ligada ao imediatismo do prazer, e é claro que isso vai se desdobrar na relação com o consumo. O desejo tende a ser satisfeito sob essa forma materializada, que tem um movimento compulsivo – já que, na verdade, ela é insaciável. O jovem, que troca o tempo todo de objeto de desejo, no fundo persegue essa fantasia idealizada de que haverá uma forma de obter o prazer quase sempre com caráter imediato, e como se isso pudesse compor essa pseudo-felicidade, aquela que os pais esperam para os filhos. O processo funciona como se fosse uma missão que os pais atribuem a eles mesmos para proporcionar uma existência quase analgésica aos filhos, ou seja, uma existência indolor, que não inclua a frustração. O que podemos ver, a partir dessa marca da cultura hegemônica hedonista, é essa tentativa dos pais de injetar uma espécie de anestésico existencial. Seria uma espécie de blindagem emocional comprometida com o prazer o tempo inteiro.
Ainda sobre a preocupação dos pais com a alegria dos filhos, você pode dar exemplos dessa relação entre a busca da felicidade e o consumo?
Um exemplo bastante freqüente é a vontade de trocar de celular, comprar um iPhone, novos produtos eletroeletrônicos ou qualquer outro objeto de consumo. Essa vontade se coloca a serviço dessa ideologia, a princípio muito bem intencionada dos pais, que querem promover a felicidade dos filhos. Eles não sabem como e nem o que fazer, mas acreditam que, se puderem fazer com que os filhos atravessem uma infância e uma adolescência sem dor e sem esforço, a missão está cumprida. No fundo, sabemos que é exatamente o contrário. Para crescer tem que frustrar. Portanto, eventualmente, o desejo deve, sim, ser barrado. Sobre esse assunto, temos tanto o ponto de vista material quanto o ponto de vista emocional, amoroso. Grande parte dos adolescentes se depara com aquela situação típica de vida escolar, que é: o meu objeto amoroso não me quer. E assim se deflagra a relação do sujeito com a inevitabilidade da dor.
Na sua opinião, existe, no ambiente escolar, uma preocupação em ensinar a lidar com o fracasso?
A escola está cada vez mais articulada nessa necessidade de frustrar, principalmente pela recorrência desse assunto. Existe o comprometimento de mostrar que a vida acadêmica dá trabalho e, por isso, exige muita dedicação e renúncia ao prazer imediato, por exemplo. Freud ressaltava muito a importância de a pessoa renunciar o movimento na direção do desejo para poder crescer. Nesse sentido, é preciso mostrar ao jovem que é a renúncia que fortalece e que projeta o ser humano para o seu desenvolvimento. E que o contrário também é verdade – essa fantasia de que a satisfação plena entorpece e paralisa é cada vez mais comprovada clinicamente.
 Em seu trabalho nas escolas existe também a questão da inserção, de que o jovem quer se sentir parte de algum grupo e acredita que a posse de bens ou o comportamento pode influenciar nisso?
Sim, existe. Isso é parte integrante do desenvolvimento. É o que chamamos de tripé da modernidade: fama, beleza e riqueza. O adolescente quase sempre busca ser o popular, o bacana, constituir uma identidade própria. É nesse meio em que ele encontra os seus pares, a partir de quem ele busca aceitação, que ele vai constituir a sua identidade e uma trajetória que seja seguida. Neste aspecto, as substâncias químicas, por exemplo, revelam esse sintoma social do prazer imediato. Resta saber como ela vai agir diante disso. A criança que foi suficientemente frustrada ao longo de uma educação dentro de casa muito provavelmente será capaz de dizer não às substâncias químicas com as quais ela vai, inevitavelmente, se deparar ao longo da adolescência. Ela vai ter segurança e clareza suficientes para agir de maneira consciente. Já aquele que não foi suficientemente frustrado, que não foi contido nesse desejo avassalador, aquele que não foi ensinado e não aprendeu a conviver com a falta provavelmente será mais suscetível a essas substâncias químicas. Sendo as drogas ou os bens materiais , como celular e roupas de marca, o principal objetivo pela busca incessante do prazer. A questão do consumismo é parte dessa busca da humanidade na direção de estabelecer uma relação plena com o prazer absoluto.
Os meios de comunicação, principalmente a televisão, exercem um papel importante nas questões ligadas ao consumismo. Qual é a influência da mídia nessas questões?
Alguns autores tendem a responsabilizar a mídia. No meu entender, a mídia está comprometida com uma série de variáveis. Acredito que a questão não seja exatamente a influência da mídia sobre a criança. Depende muito da maneira como a educação leva a criança e o adolescente a lidar com esses efeitos inevitáveis a que serão submetidos, principalmente dentro de casa. Eu não tenderia a demonizar a mídia. Para mim, o fundamental é como a educação e como a constituição do psiquismo daquela criança se deu no sentido de levar aquele sujeito a lidar com essas variáveis. E aí, sim, a mídia pode ser responsável pela má-formação.
 Os pais e as escolas têm consciência dessa situação, de que muitas vezes eles são os responsáveis pela falta de segurança emocional das crianças e pela falta de maturidade para lidar com os fracassos que enfrentam?
Essa consciência é praticamente inexistente nos pais, infelizmente. Estamos falando de um contexto que é muito específico, de adultos que nasceram no século 20, movidos por expectativas, idealizações, desejos e sonhos de classe média, e de produzir uma existência para os filhos em que nada falte a eles, tanto do ponto de vista material como emocional. Infelizmente, a consciência dessa questão ainda é muito precária. O que vemos com mais freqüência, hoje, são pais comprometidos em atender a demanda dos filhos, como se isso pudesse produzir a felicidade que eles tanto querem construir e fazer ser possível. Muitos deles pensam que o simples fato de não frustrar os filhos fará, automaticamente, com que sejam felizes e tudo dê certo. Já as escolas estão começando a se curvar um pouco mais para isso. Este é um sintoma social, da contemporaneidade, que vai ser cada vez mais discutido pelos educadores e profissionais ligados à escola.
Fonte:  http://www.almanaquedoadolescente.com.br/2010/06/23/para-crescer-tem-que-frustrar/
 

 

 



 
 
 




 


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